“Se, por um
daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito
de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português,
diremos que esse mal consiste no provincianismo…O provincianismo vive da
inconsciência; de nos supormos civilizados quando o não somos, de nos supormos
civilizados precisamente pelas qualidades por que o não somos. O princípio da
cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando
um doido sabe que está doido, já não está doido. Estamos perto de acordar,
disse Novalis, quando sonhamos que sonhamos.”
Fernando Pessoa,
in 'Portugal entre Passado e Futuro'
Esta nossa quase
milenar Pátria, com a excepção de alguns momentos transcendentes e de alguns Homens
extraordinários, tem sido caracterizada, desde 1143 até ao presente ano da
graça de 2012, por uma relvice quase permanente e pela proliferação de Relvas.
Os milhões de
Relvas que ao longo de gerações povoaram e povoam este “jardim à beira mar
plantado” são todos muito parecidos. Detestam a disciplina necessária ao
aprender, confundem saber com reconhecimento, adoram pregar boa moral e
melhores costumes, têm uma propensão natural para os ódios mesquinhos e são
incapazes de paixões intelectuais mas embebedam-se com paixões sensuais. Os
Relvas têm como bitola do mundo o seu próprio ego e o ego dos Relvas é quase
sempre o próprio estomago. Os Relvas não se solidarizam, associam-se. Os Relvas
pelam-se por parecer mas abominam o esforço para ser. Os Relvas gostam imenso
de atitudes e expressões doutorais, debitam permanentemente sentenças e por
regra têm sempre o indicador em riste. Os Relvas são muitíssimo arrogantes e
disfarçam a sua falta de humildade com afirmações de modéstia. Os Relvas têm
uma noção exacerbada da sua própria pessoa, o que lhes ocupa de tal maneira a
consciência que a impede que a mesma tenha consciência clara do outro e da sua
existência. Os Relvas detestam ser “parte” e dedicam imensas energias em serem
intermediários.
Caracterizados
que estão (embora sumariamente, reconheço) os Relvas é tempo de falar da
relvice. O que é a relvice? A relvice é o cenário propício e condição sine qua
non para a actuação e proliferação dos Relvas. É um cenário que privilegia a
esperteza e inveja a inteligência. É um cenário que prefere mil vezes o boato
ao facto. É um cenário é que o verbo querer é conjugado sem legitimidade e
anula deliberadamente o verbo dever. É um cenário em que os líderes se apoucam
para serem amados pela maioria dos apoucados. É um cenário em que a culpa mais
do que ser solteira é filha da “pouca sorte”. É um cenário onde as instituições
do saber se acovardaram, acomodaram e calaram. É um cenário em que o “respeitinho”
que se exige é a antítese do próprio “Respeito”. É um cenário onde a bravata é
confundida com heroísmo e o heroísmo é considerado tontice. É um cenário onde o
dizer “não” é proferir uma blasfémia. É um cenário onde todos os Relvas são
sempre desculpados pela mão que lava a outra.
Este particular
Relvas é uma bênção que os Deuses concederam a Portugal porque este particular
Relvas é uma oportunidade. Uma oportunidade para o encararmos de frente e nos
encararmos. Uma oportunidade para nos confrontarmos e nos redimirmos.
É evidente que,
com toda a certeza, que os Deuses só nos fizeram esta concessão por pura
distração. Se estivessem atentos jamais nos teriam dado o Relvas, porque na
verdade não o merecemos.
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