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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O extraordinário valor do Relvas


Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo…O provincianismo vive da inconsciência; de nos supormos civilizados quando o não somos, de nos supormos civilizados precisamente pelas qualidades por que o não somos. O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando um doido sabe que está doido, já não está doido. Estamos perto de acordar, disse Novalis, quando sonhamos que sonhamos.”

Fernando Pessoa, in 'Portugal entre Passado e Futuro'
 
Esta nossa quase milenar Pátria, com a excepção de alguns momentos transcendentes e de alguns Homens extraordinários, tem sido caracterizada, desde 1143 até ao presente ano da graça de 2012, por uma relvice quase permanente e pela proliferação de Relvas.
Os milhões de Relvas que ao longo de gerações povoaram e povoam este “jardim à beira mar plantado” são todos muito parecidos. Detestam a disciplina necessária ao aprender, confundem saber com reconhecimento, adoram pregar boa moral e melhores costumes, têm uma propensão natural para os ódios mesquinhos e são incapazes de paixões intelectuais mas embebedam-se com paixões sensuais. Os Relvas têm como bitola do mundo o seu próprio ego e o ego dos Relvas é quase sempre o próprio estomago. Os Relvas não se solidarizam, associam-se. Os Relvas pelam-se por parecer mas abominam o esforço para ser. Os Relvas gostam imenso de atitudes e expressões doutorais, debitam permanentemente sentenças e por regra têm sempre o indicador em riste. Os Relvas são muitíssimo arrogantes e disfarçam a sua falta de humildade com afirmações de modéstia. Os Relvas têm uma noção exacerbada da sua própria pessoa, o que lhes ocupa de tal maneira a consciência que a impede que a mesma tenha consciência clara do outro e da sua existência. Os Relvas detestam ser “parte” e dedicam imensas energias em serem intermediários.
Caracterizados que estão (embora sumariamente, reconheço) os Relvas é tempo de falar da relvice. O que é a relvice? A relvice é o cenário propício e condição sine qua non para a actuação e proliferação dos Relvas. É um cenário que privilegia a esperteza e inveja a inteligência. É um cenário que prefere mil vezes o boato ao facto. É um cenário é que o verbo querer é conjugado sem legitimidade e anula deliberadamente o verbo dever. É um cenário em que os líderes se apoucam para serem amados pela maioria dos apoucados. É um cenário em que a culpa mais do que ser solteira é filha da “pouca sorte”. É um cenário onde as instituições do saber se acovardaram, acomodaram e calaram. É um cenário em que o “respeitinho” que se exige é a antítese do próprio “Respeito”. É um cenário onde a bravata é confundida com heroísmo e o heroísmo é considerado tontice. É um cenário onde o dizer “não” é proferir uma blasfémia. É um cenário onde todos os Relvas são sempre desculpados pela mão que lava a outra.
Este particular Relvas é uma bênção que os Deuses concederam a Portugal porque este particular Relvas é uma oportunidade. Uma oportunidade para o encararmos de frente e nos encararmos. Uma oportunidade para nos confrontarmos e nos redimirmos.
É evidente que, com toda a certeza, que os Deuses só nos fizeram esta concessão por pura distração. Se estivessem atentos jamais nos teriam dado o Relvas, porque na verdade não o merecemos.

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