Inspire, expire e leia...

domingo, 9 de setembro de 2012

Carta aberta ao primeiro-minstro, à laia de resposta do seu último “post” no Facebook


 

 

 09.IX.2012

“Para saber uma verdade qualquer a meu respeito, é preciso que eu passe pelo outro.”
“O mais importante de tudo não é o que fizeram de ti, mas o que tu vais fazer,com o que fizeram de ti.”

Sartre, Jean-Paul*
*autor que V. Exa. deveria ter mesmo lido

 

Senhor primeiro-ministro,

Na minha qualidade de cidadão e de pai venho acusar publicamente V. Exa. de crime de lesa-pátria porque a sua governação quanto ao conteúdo, estilo e forma tem sido um desastre para o País.

As suas medidas, decisões, discurso e até mesmo a sua produção legislativa (a da sua competência e que impõem à sua maioria parlamentar) são um aborto. Lamentável é também a sua teimosia em manter junto de si gente muito pouco recomendável.

Eu até dou de barato que V. Exa. até pode estar convencido que está a fazer bem, mas não está. V. Exa. está a fazer um mal terrível à sociedade portuguesa.

Um mal que não tem apenas efeitos económicos – efeitos que, no entanto,  são devastadores muito especialmente para a  classe média e para os pensionistas – mas também sociais. Na verdade V. Exa. está paulatinamente a destruir o tecido social, a promover quotidianamente a desunião de todos os Portugueses e a sua degradação cívica.

Além do mais V. Exa. está a retirar o Estado Português da maior parte do território nacional. O Estado para as populações do interior não é uma qualquer entidade abstracta: o Estado é a escola, o posto de saúde, o posto da Guarda, o tribunal e a via férrea.

Há quem diga que a sua actuação é motivada por razões de ordem ideológica. Eu não comungo dessa opinião. Acredito que V. Exa. tem no seu governo pessoas motivadas ideologicamente por doutrinas  neo-liberais e que estão presas de forma cega a um modelo que comprovadamente falhou há mais de uma década, mas não acredito que seja o seu caso. V. Exa., na minha modesta opinião é motivado pela ignorância e pela insegurança, porque, especulo, V. Exa. sente no seu âmago que não está – nem nunca esteve – preparado para as funções que exerce. Ao ser ignorante e inseguro V. Exa. torna-se permeável a todos os gurus de pacotilha e é facilmente inquinado por “simpatia”.

V. Exa. defraudou não só os militantes do seu partido mas também todos os cidadãos eleitores que lhe concederam o voto. Defraudou não apenas por não ter cumprido nenhuma das suas promessas eleitorais em matéria fiscal e de coesão social mas muito especialmente por exercer o seu poder de uma forma cínica. Um cinismo próprio dos impostores.

V. Exa. está apostado em bipolarizar a sociedade, quer do ponto de vista dos cidadãos quer do ponto de vista dos poderes. Do ponto de vista dos cidadãos V. Exa. visa uma sociedade em que existem uns poucos muito ricos e muitos “remediados” e pobres. Do ponto de vista dos poderes V. Exa. apostou em destruir o “Poder Local”, primeiro acusando-o perfidamente de ser o causador dos males de toda a sociedade, depois dando machadadas quotidianas na sua autonomia e nos seus poderes. Além do “Poder Local” V. Exa. está, também,, a desmantelar todos os organismos intermédios da administração pública. Esta estratégia que V. Exa. segue – a destruição deliberada de todos os poderes intermédios – não é sua, foi-lhe inculcada pelos ideólogos que o rodeiam. É uma estratégia acertada para quem visa implantar uma ditadura e criar uma sociedade de dependentes e escravos. Para isso V. Exa. não assume corajosamente o seu golpe de Estado – e é exactamente isso que V. Exa. está a fazer -  mas, covardemente, todos os dias, faz tábua rasa da Constituição da República, documento que até pode ter muitos defeitos, mas é o que temos e que não cabe a si defraudar.

Se V. Exa. continuar em funções e continuando persistir na via que escolheu será culpado de um banho de sangue. Os sinais estão todos no ar. O Povo começa a ficar sem paciência e em desespero. E o Povo a que me refiro não são apenas os tradicionalmente vocacionados para a revolta. O Povo a que me refiro são os professores, os profissionais liberais, as donas de casa, os bancários, os polícias,  os idosos, enfim…é o Povo todo.

O Povo está revoltado não por causa dos sacrifícios. O Povo está revoltado por causa desse seu cinismo e  da sua agenda política que não foi sufragada e que é todo os dias aplicada. O Povo está revoltado porque os resultados do seu governo são execráveis e as receitas que adopta são erradas e destrutivas. O Povo está revoltado porque já não o respeita a si nem ao seu governo. Só teme.

É verdade que V. Exa. não é apenas o único culpado desta tragédia nacional que tem sido a sua governação. Não só a oposição democrática que lhe é feita é fraca e comprometida como o Chefe de Estado tem sido seu cúmplice. No entanto V. Exa. é que é o primeiro-ministro, o que faz de si, constitucionalmente, o autor e executor de toda a política pública, sendo assim o principal culpado.

A sua política pública tem sido uma política ao serviço dos grandes interesses privados e de uma ideia política que nem sequer é política na sua essência mas que se torna política quando posta em prática: o mercado na sua perspectiva mais abstracta e desumanizada.

A sua política pública é covarde, mesquinha e estúpida. Nunca ninguém lhe explicou que tanto a própria política como a economia devem estar ao serviço das pessoas e não o contrário.

Não queira ser o maior criminoso lesa-pátria do pós 25 de Abril. Faça um esforço e volte aos clássicos que inspiraram a ideologia que alegadamente é defendida pela seu partido: a social-democracia.

V. Exa. deve estar convencido que é um grande reformador e que por isso terá um lugar na História Portuguesa ao lado de um D. Dinis, de um D. João II, de um Marquês de Pombal, de um Mouzinho, ou de qualquer outro grande vulto da nossa História. Desengane-se: não é. Para o ser falta-lhe dimensão espiritual e intelectual. Quando muito merecerá uma pequena nota de rodapé nos manuais do futuro, e não será abonatória.

Na minha opinião V. Exa. é pior do que Salazar, embora com ele só partilhe o provincianismo. É pior porque Salazar era politicamente honesto: era anti-democrático assumido. Detestava a Democracia e todas as manifestações da sociedade civil e liquidou todos os poderes intermédios portugueses mas  afirmava-o convictamente e agiu às claras. V.Exa. também detesta a Democracia, todas as manifestações da sociedade civil e pretende liquidar todos os poderes intermédios da sociedade, mas não assume e age clandestinamente. Por outro lado Salazar não era fantoche de ninguém e V. Exa é fantoche de interesses obscuros e por eles está dominado. Salazar tinha uma sólida formação intelectual. V. Exa. não tem (e nem sequer me estou a lembrar dos livros – emprestados com toda a certeza pelo seu amigo Relvas -  que inventou e fingiu que leu).

Na minha opinião V. Exa. é pior do que Sócrates (não o grego mas o seu antecessor). Sócrates era um aldrabão. V. Exa. é um cínico opaco.

Senhor primeiro-ministro, este cidadão que lhe escreve esta carta nunca foi marxista, anarquista nem sequer se deixou seduzir por terceiras vias. Este cidadão que lhe escreve nunca se considerou à margem do sistema. Bem pelo contrário tem profissão, é academicamente habilitado e exerce funções públicas de carácter electivo há quinze anos e sempre viveu, desde os primórdios da sua adolescência, empenhado em causas politicas e sociais. Ou seja este cidadão que lhe escreve esta carta não é nenhum “revoltado militante”, bem pelo contrário é alguém que acredita que as imperfeições do sistema se devem corrigir dentro do sistema. Por acreditar nisso, por continuar a acreditar no sistema é que escrevo esta carta. Eu sei que o sistema é composto e feito funcionar por pessoas. As pessoas são fundamentais e enquanto tais devem ser dotadas de uma coisa chamada decência. É precisamente dirigida à sua decência que esta carta é escrita, com a esperança que a mesma o obrigue a proceder em conformidade, ou seja, a ser decente.

Ser decente, senhor primeiro-ministro, nesta altura deste nosso triste campeonato, é confessar a incompetência e demitir-se.

Se não o fizer terá que assumir a plenitude das suas responsabilidades e infelizmente assumirá a mal.

Mário Nuno Neves

 

1 comentário:

  1. Um texto impecável e corajoso. Partilhei-o no meu facebook com a esperança que seja lido e também partilhado. Parabens.

    ResponderEliminar