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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Metam a agenda, o cluster e o projecto “in the…”


Abandonou a linguagem vernácula para passar a utilizar formas mais subtis e sofisticadas de comunicação, muitas graças às novas tecnologias e modernas técnicas de marketing, tudo no sentido de estar mais bem apetrechado para convencer os potenciais compradores das novas ilusões. Veste agora de forma muito mais elegante e usa um corte de cabelo moderno. Exibe uma grande autoconfiança que, por vezes, roça a altivez própria dos fracos. Dá mostra de intransigência perante grupos isolados, prévia e cuidadosamente seleccionados, para mostrar ao mercado que veio para ficar.

Cria expectativas muito tentadoras que, a serem concretizadas, só o serão lá para as calendas. É capaz de prometer a prosperidade para amanhã, quando a realidade é a dívida crescer dia a dia.

É um verdadeiro mestre a prometer hoje uma coisa para fazer o oposto amanhã, com toda a tranquilidade e impunidade.”

José da Silva Peneda in “O vendedor da banha da cobra”, publicado no JN em 2007.Jan.20


Desde os meados da década de noventa do século passado (muito por culpa do senhor Michael Porter e do provincianismo indígena), Portugal viu o seu léxico quotidiano enfestado de umas expressões muito modernaças - por exemplo a “agenda” (há agendas para quase tudo, desde a modernidade à competitividade, desde o desenvolvimento à inovação), o “cluster” e o “projecto” -, umas portuguesas outras anglo-saxónicas, que são repetidas até à exaustão por tudo o quanto é político com escola quase reduzida às “jotas” (o resto é obtido por equivalências mais ou menos desenvergonhadas), por académicos com tiques de gestores e por gestores com tiques de académicos. Por regra tanto esses políticos como esses académicos e gestores são uns ignorantes, uns arrogantes e uns incompetentes (há excepções, não se assustem).
Essa malta usa essas expressões a propósito de tudo e de nada, basta verem uma plateia ou um microfone apontado.

A “agenda para…”, o “cluster de…” e o “projecto para…”, tem para essa gentalha várias funções e utilidades: substitui, com toque “avant-garde”, os velhinhos “ora bem…” e do “portanto…” (que às vezes saía “portantes”), ou seja serve para tapar “brancas” de raciocínio e para enganar os otários, falando sem nada dizer; funciona como uma espécie de código verbal de identificação e de pertença a tribo (a tribo dos “yuppies” à portuguesa); e por último, mas não menos importante, fica “lindamente” com o fato cinza escuro, a camisa alva e a gravata às risquinhas.

Para essa malta, Portugal não é um País. Para essa malta, Portugal, é um conjunto de “sumários”, de “aglomerados” e de “experiências”. Para essa malta, Portugal e os Portugueses, são abstracções e no limite realidades meramente conceptuais.

Todas as vezes que ouço um desses cromos (no sentido vicentino de “tipo”) – e ouço-os demasiadas vezes porque eles são muitos e cada mais – além de ficar irritado (o que não é difícil porque sou facilmente irritável) penso sempre no Professor Kilamba-Karamba.

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